Persistência de um pensamento racializado (3)

Foto de Matheus Viana

Autor: Wilson Geraldo de Oliveira.

Nessa série de pequenos artigos, sobre a ideia de raça, apresentamos algumas suspeitas de que há nas narrativas de contato com extraterrestres, a persistência de um pensamento racializado, com muito do que vivemos entre nós, nas relações entre etnias e “raças”. Portanto, em outras palavras, neste cenário aberto pelas narrativas de contato com extraterrestres, veremos algumas representações e disposições percebidas nas relações raciais entre tipos humanos terrestres.

Como entendemos as narrativas?

Narrativas de contato com extraterrestres são a expressão, verbal ou escrita, do pensamento social acerca das categorias seres terrestre(nós os humanos originários da terra) e extraterrestres (um outro cuja origem é externa ao planeta terra ou no mínimo é externa à vida em nossa sociedade). Nas narrativas estão expressas relações carregadas de classificações, disposições hierárquicas, ordenamentos, similaridades, contradições e ambivalências, tal como acontecera p. ex. com as categorias índio e branco ou negro e branco em nossa sociedade em sentido amplo. Ou seja, as narrativas contêm elementos de representação, conceitos, “coisas”, signos e categorias utilizadas com relativa similaridade em nossas relações humanas autóctones, racializadas.

Penso que as narrativas têm causas objetivas, as quais haveremos de descobrir. Até que ponto não decorrem da ausência de estudos mais aprofundados acerca do fenômeno UFO/OVNI é um de nossos desafios. Mas, não me parece que tais estudos sejam possíveis sem uma reavaliação de nossos próprios referenciais éticos e morais que talvez possamos resumir em referenciais de humanidade. Elas são portanto, ao que me parece, apesar da subjetividade, consequências de uma ideia de desenvolvimento equivocada ou  mal resolvida.

Pesquisas históricas e das ciências sociais mostram como se deram as construções de categorias muito marcadas pela ideia de raça. Como veremos nas próximas postagens. Por exemplo, para as categorias branco e negro, selecionou-se o corpo com uma leitura específica para criar um alinhamento e um ordenamento social. As relações entre “raças” são relações predominantemente pensadas como tipos biológicos diferentes e é assim que são vistas, percebidas, as relações entre as categorias branco e negro.

Do convívio entre tipos pensados como biologicamente diferentes, surgem os conflitos sociais. Tais conflitos e relações sociais devem “ser entendidas não como resultado de qualidades biológicas, mas como o modo de os indivíduos em diferentes situações alinharem-se com aqueles que percebem como aliados, e em oposição a outros.” (TODOROV, 1993). Pois que de fato, não existem diferenças biologicamente significativas e os conflitos e alinhamentos continuam a ocorrer entre etnias ou tipos humanos aparentemente diferentes.

Ao pensar a relação entre terrestre e extraterrestre o ordenamento e disposição social hierárquica também ocorre. Se não ocorre na totalidade das narrativas, em uma grande parte delas, por razões suspeitáveis. Observaremos que em tais relações com povos do espaço, a admissibilidade da ideia de raça orienta as relações para sentidos equivalentes ou muito semelhantes as relações entre povos terrestres. Nesse caso, há indícios da persistência de um pensamento racializado nas narrativas e tais indícios ocorrem face às nossas reações às marcas ou formas corporais. A figura do extraterrestre nos é apresentada com uma diversidade filogenética espantosa.

Em muitos casos o extraterrestre se apresenta com muita semelhança aos nossos tipos físicos predominantes. Onde cor e textura de pele, altura, forma facial, cabelo, vestimenta, etc são praticamente idênticos, podendo em muitos casos se confundirem conosco em nossos ambientes sociais diários. Noutros tantos casos, podemos perceber um distanciamento gradativo da aparência, com enorme variabilidade. Nestes, os traços comuns chegam a se resumirem na presença de cabeça, tronco e membros. Esse distanciamento segue um gradiente de diferenciação que parte de muito semelhante na forma, até tipos amorfos. Seriam estes traços comuns, indícios de uma ancestralidade também comum? Será possível identificar uma história humana para além de nossa origem planetária?

Muitas civilizações espaço afora podem estar, como nós agora, a fazer tais questionamentos. Existirá uma árvore filogenética que nos unifica a todos quantos existirmos como civilizações planetárias? Será uma condição, reconhecer tal familiaridade antes de nos separarmos de nossa casa planetária? Sim! A pergunta é essa mesma. As narrativas sugerem que habitar planetas é uma fase primária do processo evolutivo das civilizações. Este momento de ensaios de navegação espacial, pode ser um momento estratégico no qual civilizações precisem pensar estas questões.

Em caso de convivência em um espaço comum, planetário ou não, que fatores determinarão os conflitos e alinhamentos entre nós e tais tipologias tão diversas? Se é que é possível resumir nossas curiosidades e questionamentos: será que desse quase evidente racialismo cósmico, derivarão para nós, superações ou recorrências de relações racistas?

Referência:

TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros. A reflexão francesa sobre a diversidade humana. Trad. Sergio Goes de Paula. 194 pp. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1993

Sem a pretensão de responder a todas estas questões, daremos continuidade às postagens dessa série, sob o título “A ideia de raças ETs numerando  em ordem crescente de postagem ao final do subtítulo”.

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