A contribuição das ciências sociais para o tema OVNI* (1)

Autor: Wilson Geraldo de Oliveira

São apenas as ciências sociais que oferecem a possibilidade de leituras e reflexões, para o entendimento do tema OVNI? É certo que não!

Através das ciências naturais e das tecnologias, também podemos perceber contribuições significativas, demonstrando um enorme potencial investigativo. Os trabalhos reflexivos voltadas às ciências do espaço, astronomia, astrofísica e exociencias em geral; as interfaces de análises ufológicas que se utilizam do conhecimento da química, física e da biologia, aplicados sobre materiais físicos recolhidos em campo, incluindo os metamateriais, os quais, reunidos, certamente contribuem em grande medida para a compreensão do problema OVNI. O desenvolvimento de metodologias para simples coleta e análise de dados; o desenvolvimento de tecnologias, sua adaptação e sua aplicação para detecção, registro fotográfico e videográfico, bem como para análises físico-químicas, fotográficas e videográficas.

No conjunto das abordagens, decorrente do fenômeno ufológico, estão as narrativas de contato com extraterrestres, às quais são quase sempre acompanhadas, antes ou depois, por ocorrências de interações/observações de OVNIs. Esse conjunto, que para efeito de análise é indissociável, narrativas, interações e observações, representam um amplo espectro dessa temática.

Podemos dizer que a análise crítica das ciências sociais e humanas juntamente com o método analítico das ciências naturais e uso das tecnologias sobre esse conjunto temático, ressentem-se de uma abordagem de conjunto.

Ou seja, tanto as ciências sociais e humanidades, como as ciências naturais e suas tecnologias, têm muito a contribuir com este estudo. E de forma muito especial, conjuntamente. Embora existam críticas divergentes e seja polêmico no campo teórico, falar de uma teoria social geral. Digamos que, tal como o campo de estudo do turismo que “busca uma evolução para a prática transdisciplinar” (DENCKER, 1998), essa é uma perspectiva metodológica e epistemológica que se abre para a compreensão de temas que extrapolam muitas vezes os campos especializados das ciências, talvez como forma ou caminho de retorno a uma teoria social abrangente e inclusiva de temáticas que se apresentaram, no processo histórico de construção das especialidades, como fenômeno marginal ao universo acadêmico.

As ocorrências ufológicas e as narrativas de contato com extraterrestres, não têm sido uma realidade concreta de pesquisa, no cotidiano das ciências de um modo geral. Penso que em grande medida pela ênfase que se dá às dificuldades metodológicas. Mas, não somente por isso. A política do sigilo contribui, estrategicamente, para inibir o universo acadêmico, tornando-se, ela própria, em objeto de estudo relacionado.

No conjunto, ainda que haja restrições metodológicas, e apesar do sigilo é uma fecunda e promissora temática de pesquisa.

Em razão disso, surge como uma prática reivindicatória construída e defendida pelos ufófilos e ufólogos a partir da segunda guerra mundial, constituíndo-se num movimento social de luta pelo direito a informação e ao conhecimento.

Formam, portanto, o conjunto das relações materiais que o tema enseja. As narrativas de contato podem ser objeto de pesquisa, estudo, reflexão para as ciências sociais e humanas, inclusive, independente das interações/observações concretas. Podemos dizer o mesmo das ocorrências em si e dos registros físicos do fenômeno para as ciências naturais e suas tecnologias. Porém, a promessa de fertilidade de resultados está na interação destas duas grandes perspectivas: das ciências naturais e das ciências sociais e humanas pela via da interdisciplinaridade e/ou da construção de uma teoria social abrangente. A natureza do tema e a natureza do fenômeno, assim o exige.

No excelente livro “Pesquisa em Turismo” de Alda de Freitas, no cap 2 “A interdisciplinaridade na pesquisa em turismo”, ao citar os objetivos do conhecimento científico, diz ela: “O homem procura conhecer a realidade para poder agir sobre o rumo dos acontecimentos. Por meio das ciências físicas e naturais o ser humano procura controlar a natureza e pelas ciências sociais busca prever os acontecimentos e projetar novos cenários sociais por intermédio de ações de planejamento.

As dificuldades metodológicas das ciências, especialmente as ciências naturais,  são decorrentes do fato de não se conseguir controlar a natureza das ocorrências ufológicas (OVNIs) no momento em que acontecem e menos ainda após o fato. Sua existência já é há muito inquestionável, porém é fato também que até o momento esses fenômenos têm se mostrado incontroláveis. Não se trata de fenômeno passível de reprodução ao sabor da vontade e dos recursos técnicos do pesquisador. Embora não se possa ainda conhecer sua natureza, sabe-se, por observação,  que têm vontade própria. Está aí um desafio.

O fenômeno ufológico em si é questionador de nossos referenciais. Haja visto as interações e interpretações humanas levantadas a partir da práxis. As observações e narrativas falam de uma natureza inteligente e autônoma, de um outro, que além de ser fugidio e enigmático, trás o pressuposto de ser de origem planetária e/ou dimensional diferente. Se não é possível o foco direto, o controle de certas variáveis imprescindíveis à experimentação e análises científicas, com que ferramentas conceituais e comunicacionais será  possível falar de nós em relação a esse outro?

A inspiração das ciências sociais
Inspira-nos a preocupação da Antropologia sobre o pensamento humano. Lembrando a perspectiva apontada por Roberto Cardoso de Oliveira, em como ela se renova e torna-se um campo privilegiado de indagação. A pesquisa empírica e a reflexão teórica se articulam e juntas buscam desvendar o enigma: até que ponto a sociedade se “reproduz” ou se representa, no pensamento?

É e será de fundamental importância também outras tantas vertentes teóricas. O pensamento marxiano tanto quanto as obras que formam a teoria marxista, um conjunto riquíssimo de ferramentas de análises.

As “lutas de classes” como demonstra Domenico Losurdo em recente publicação pela editora BoiTempo, estão cada vez mais presentes em nosso tempo. Mais do que um conflito entre proprietários dos meios de produção e detentores da força de trabalho, esse plural significa “a exploração de uma nação por outra”, “a opressão do sexo feminino pelo masculino”, “as lutas contra a segregação racial”, “as lutas anticolonias”, “pela preservação da cultura e autonomia dos povos indígenas”, pelo respeito a autodeterminação dos povos e nações.

No movimento ufológico, as lutas  em prol da investigação, pesquisa e estudo acadêmico do tema OVNI;  A luta contra o sigilo de informações, também, de natureza ufológica. E é claro, pelo incentivo aos estudos dos problemas sociais decorrentes do reconhecimento de outras formas de manifestação da vida inteligente, extraterrestre ou não; de como pensamos e agimos face a iminência de acontecimentos impactantes de nossos referenciais, como a possível constatação de outras formas de manifestações da vida.

Acontecimentos que extrapolam as nacionalidades e nos coloca frente a problemas de vulto planetário e interplanetário. Onde as filosofias controladoras da modernidade eurocêntrica oferecem pouco e parciais resultados. É necessário e fundamental beber nas fontes  libertárias do pensamento, asiático, africano e latino-americano para construirmos juntos novos referenciais de análise.

Valorizando nossas tradições, o saudoso Prof. Roberto Cardoso de Oliveira, em artigo na Série Antropológica nº 29 fala da noção de categorias como centro do pensamento sociológico (sec. XIX) e localizando essa noção historicamente, vai indicar autores como Mauss, Durkheim, Claude Lévi-Strauss, Louis Dumont, estes dois últimos herdeiros da mesma tradição intelectual que tratam a “temática das categorias do entendimento” (CARDOSO – 1982). E se é de entendimento que precisamos, pode ser a esta temática e a esta e outras linhagens intelectuais, bem como aos seus herdeiros e até seus críticos, que inevitavelmente recorreremos na busca incessante de compreensão da realidade.

Muitas linhas teóricas, clássicas e modernas enriquecem o arcabouço teórico fundamental para tratar assunto tão vasto e de tamanha universalidade e impacto na vida de todos nós como é o tema OVNI. É a Vida  em um contexto de relações complexas. Mais do que nunca tem sido imprescindível o estudo crítico.

Se o assunto é relativamente novo, certamente vai precisar de  novas categorias, mas também de métodos suficientemente fortes, persistentes e presentes. É da fertilidade das tradições teóricas das ciências sociais e humanas que nos fala o Prof. Roberto Cardoso de Oliveira. Para ele, a abordagem de Mauss em relação à noção de pessoa e seus desdobramentos em relação a outras categorias, associam-se a “modos de pensar em comuns e modos de agir em comuns” para os diferentes grupos humanos como “uma relação esquecida pelos sociólogos”. (…) “Essas modalidades de pensamento, por serem dentre as representações coletivas as mais essenciais e eminentes ao conhecimento humano, como já dizia Durkheim e por serem igualmente inconsciente, tal como a língua o é para os seus falantes, como acrescentaria Mauss, constituiu-se numa dimensão privilegiada para investigação antropológica e permanece mesmo hoje de extrema atualidade”. (CARDOSO – 1982 – P. 10).

É buscando identificar sentidos para estes novos objetos e contextos, que haveremos de alcançar o entendimento para termos como: “contatado” em oposição ao termo “contatante” cuja síntese ou resultado nos remete ao “contato”. Assim como também o termo “terrestre” e “extraterrestre” para o contexto mais amplo de relações entre planetas ou humanidades planetárias. Ainda que como noções primárias, estas categorias formam pares de categorias equivalentes e/ou correspondentes e até insuficientes. Elas nos sugerem perscrutar o espaço e o tempo. Reavaliar as noções que comunicam as dimensões existenciais da vida.

A partir destas  categorias, as relações decorrentes apontam a possibilidades de tratar as narrativas como substrato de uma “situação de contato”. Situação esta que vem sendo gestada no pensamento social à medida que a fenomenologia da praxis se impõe.  De tal forma, tais categorias de pensamento, me parece que tendem a tornarem-se cada vez mais intrínsecas ao cotidiano e abrangentes aos diversos coletivos humanos, na medida em que se intensifica o seu uso e compartilhamento.

As categorias citadas são muito comuns ao “movimento ufológico” (OLIVEIRA, 1995), a partir do qual esse tema tem alcance mundial. As categorias contatado e contatantes, terrestre e extraterrestre, tipologias, dimensões, hibridizações, espaço e tempo, etc, impulsionadas pela relação com o tema e com o fenômeno OVNI tornam-se cada vez mais usuais e populares.

Vejamos, muitos são os tipos e lugares de ocorrência do fenômeno, no Brasil e no mundo. Em torno destes lugares, narrativas e eventos relacionados atraem turistas de todo o planeta. Um bom exemplo é o Museu Internacional de Ufologia em Roswell, New México – EUA.  No Brasil, o movimento ufológico, considerado em sua ampla inserção, através de seus investigadores/pesquisadores e organizações civis possuem e induzem a uma produção, além de uma rede de locais relacionados ao turismo ufológico, uma série de materiais e documentos históricos que justificam a criação de bibliotecas e museus sobre o tema.

O pensamento que mobiliza o imaginário e vice-versa, seja através da cultura, da ciência, das artes ou da economia, leva-nos a revisar conceitos, noções e valores, que pensávamos, há muito consolidados. As noções de espaço, tempo, matéria, energia e lugar, mas também a noção de gênero, raça, evolução, liberdade, modernidade, colonialidade, colonização, tecnologia, informação, comunicação, educação, saber, sociedade, família, política, religião, enfim, a vida e a dinâmica da diversidade e da mudança contínua.

Nota: O título “A contribuição das ciências sociais para o tema OVNI” pode levar o leitor a pensar nessa reflexão como “a resposta das ciências sociais“. Vale lembrar que esta é uma pretensão demasiado grande para esse trabalho. Digamos que seja muito mais um apelo, ou um desejo de que as ciências sociais e também as ciências naturais adotem com mais frequência e disposição, como objeto de pesquisa, o tema OVNI/UFO (Objeto voador não identificado – OVNI ou UFO  – unidentified flying object). Essa tarefa de contribuir e de identificar tais contribuições é certamente de todos nós interessados no assunto. Aqui e nas próximas postagens, à medida em que vamos retomando o estudo, sinalizaremos com algumas contribuições cujos conceitos e/ou linhas teóricas, penso que são fecundas para o estudo do tema de forma a ampliar nossa visão e sinalizar caminhos possíveis para a construção do pensamento social. Muitas contribuições acadêmicas estão publicadas em diversos formatos, como  teses, dissertações as quais apontam diagnósticos e caminhos teóricos. Precisamos nos apropriar destas contribuições. Muitas linhas teóricas que constituem ferramentas úteis, não estão nesse momento correlacionadas ao tema OVNI. Penso que cabe a nós como interessados, sem pressa e sem pretensões coloniais ou de hegemonia, descobrirmos e propormos as correlações que entendermos pertinentes ao debate.

Referências:

DENCKER, Alda de Freitas Maneti. “Pesquisa em turismo: planejamento, métodos e técnicas”, São Paulo: Futura, 1998

LÉVI-STRAUSS. Antropologia Estrutural. (1974)

LOSURDO, Domenico. A luta de classes: uma história política e filosófica. Tradução Silvia de Bernardins. – 1ª. ed. – São Paulo: Boitempo, 2015.

OLIVEIRA, Wilson Geraldo de. O Movimento Ufológico – Reflexo da necessidade de um modelo de compreensão da realidade. Dissertação apresentada ao Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília em 14/12/1995. Orientador: Prof. Martin Alberto Ibañez Novion

OLIVEIRA. Roberto Cardoso de, As categorias do entendimento na formação da Antropologia no 29 da Série Antropológica – 1982

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