OVNI – termo ou conceito

Por Wilson Geraldo de Oliveira

Todo conceito remete a um problema

Para o filósofo Deleuze, “Todo conceito remete a um problema…”, e certamente podemos dizer isso também do termo OVNI¹. Mas, embora ele remeta a um problema ele não pode ser entendido como um conceito, ele não passa de um conjunto de palavras sem sentido.

“Todo conceito remete a um problema, a problemas sem os quais não teria sentido, e que só podem ser isolados ou compreendidos na medida de sua solução”² (Deleuze e Guattari).

O termo OVNI, está na ante sala de um conceito. Mas não consegue ou não pode adentrar ao recinto principal. Ele não soluciona um problema, ele não contém vitalidade suficiente para ser entendido como um conceito, se assim o fosse superaria obstáculos.

Ao pensar o termo OVNI caímos no vazio, numa indefinição. Não avançamos o pensamento no sentido de compreender os acontecimentos aos quais ele se refere. Estamos tratando de um nome, um termo, uma tentativa de significar algo sobre o quê não podemos acreditar na nossa capacidade sequer de observarmos quando quisermos.

Permanência e impermanência do objeto

E como crianças no final da fase sensório-motora, até os 2 anos de idade, nos inquietamos à procurar o objeto anteriormente observado, mas de nós retirado ou negado. (Piaget, 1970).

O termo OVNI foi criado para dar conta de uma realidade determinada, partindo de um modelo de pensamento: um objeto, que voa, que é visto, que tem seus movimentos testemunhados por olhares e registrados pelas tecnologias de detecção objetivas disponíveis nas imediações e na hora dos acontecimentos de então. Também se percebe os rastros, notícias, descrições, narrativas, os vestígios do acontecimento.

No entanto, estes elementos de realidade registrados, são frágeis; a experiência visual é fugidia, não pode se repetir conforme a vontade do observador. A coisa, mesmo detectada é furtiva em tudo o mais. Os elementos descritos são insuficientes porque o objeto, tanto quanto suas ações, não é permanente em nosso campo de experiência sensorial. E a permanência é vital. Sem permanência não há vida, nem vínculo. Não há um acúmulo de percepção, experiência dos sentidos. A dinâmica de uma relação progressivamente significativa, ainda que ilusória, se torna impossível num certo nível. Se inviabiliza.

Uma coisa nos leva a outra ainda que por analogia. O conceito de permanência do objeto desempenha um papel significativo na teoria do desenvolvimento cognitivo criada pelo psicólogo Suíço Jean Piaget. É usado para descrever a capacidade da criança de saber que os objetos continuam a existir mesmo que eles não possam mais serem vistos ou ouvidos. Guarda uma relação de equivalência, em certo sentido, com a experiência adulta frente aos OVNIs e outros fenômenos correlatos.

A fé não é só um atributo religioso é fé na vida

Têm-se a expectativa de que o objeto existe independente do observador. Pode estar sujeito a uma outra vontade e escapa de nossos pretensiosos controles. Sugere uma espera por oportunidade e faz, portanto, pensar num possível reencontro. Há aí uma fé. Não uma fé religiosa, mas uma fé na continuidade da experiência, da vida, na continuidade dos significados possíveis. Uma fé no momento seguinte. Uma esperança num devir, um esperançar.

A experiência exige a permanência das coisas, no tempo e no espaço, para se constituir num problema objetivo para o exercício da racionalidade humana. Só a partir daí o conceito se completará. Só a partir dessa permanência na materialidade, mas também no campo de visão, ou dos sentidos, o acontecimento poderá alcançar vida suficiente.

Com vida suficiente, com sentido suficiente, o conceito se apresentará como solução a problemas, como superação de obstáculos. Porque o conceito é a vida que procura dar conta de si mesma, superando obstáculos ao entendimento através do pensamento. Isso explica algumas razões para o distanciamento da ciência, especialmente as ciências naturais, no que respeita a abordagens mais utilitaristas, sobre o tema.

Voltando a Piaget, quando um objeto é escondido da vista de crianças com menos de uma certa idade, dentro da fase sensório motora, muitas vezes elas ficam chateadas porque o item desapareceu. Elas são, digamos, recém chegadas ao plano das experiências concretas (no espaço) para entender que o objeto continua (no tempo) a existir mesmo que ele não possa ser visto.

O processo de desenvolvimento ocorre em estágios que evoluem pela equilibração, na qual as crianças procuram um balanço (equilíbrio) entre o que encontram em seus ambientes e as estruturas e os processos cognitivos que levam a esse encontro, bem como entre as próprias capacidades cognitivas.

Uma humanidade criança

Pensar o conceito de permanência para as crianças nas 4 fases do desenvolvimento cognitivo de Piaget em analogia com a experiência OVNI para os adultos pode ser no mínimo interessante. Faz parecer similar uma possível experiência de olhar sobre a humanidade e o olhar do professor ou do pesquisador sobre crianças vivendo as fases do desenvolvimento cognitivo.

Os termos associados à sigla OVNI apontam nos, uma incompletude no entendimento de uma categoria de acontecimentos, que vai exigir do ato filosófico uma reconceitualização contínua. Uma releitura de fatos que não estão mais, tanto quanto se desejaria, no cenário do mundo dos sentidos. Estamos a velar por uma outra realidade nesse repensar, um novo estágio, mais complexo.

Por outro lado, ainda que seja uma sigla aparentemente vazia, a partir do momento em que foi concebida, ela se tornou prenhe de alguma vitalidade e não tem havido redução, desde então. Transformação sim, metamorfose, mas jamais uma redução. Agora a estão transformando em UAP3 . Será um novo estágio?

Desde que existiu em parte, tem sido uma parte causal, a coisa, o acontecimento inusitado. À medida que um acontecimento semelhante “casualmente” se repete, o termo se atualiza procurando escapar-se da estagnação em que nasceu, em busca de um devir conceitual, de significado. Tanto quanto o conceito, iniciou-se, nessa forma embrionária, a gestação da vida em si mesma.

Talvez possamos dizer como Drumond

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Até que a pedra deixe de ser insignificante, embora desde sempre intrigante e se torne um problema. A própria vida, antes inconcebível, passe a ser em nova forma, numa nova fase do desenvolvimento cognitivo humano, … questões e problemas a se resolverem.

“…Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas. …”

1 – OVNI – Objeto Voador Não Identificado
2 – Com o perdão de Deleuse e Guattari, para minhas brincadeiras.
3 – ‘UAP’ – (unidentified aerial phenomena).

Referencia:

Gilles Deleuze · Félix Guattari. “O QUE É A FILOSOFIA?” Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz · Coleção Trans. 288 p. (p. 25)
Carlos Drummond de Andrade. In Alguma Poesia, 1930
PIAGET, J. A Construção do real na criança. Rio de Janeiro, Zahar, 1970

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *