Das ciências naturais às ciências sociais (2)

Autor: Wilson Geraldo de Oliveira

Ilustração: Objetos vistos por Keneth Arnold em 1947 extraída do site educatinghumanity.com

A ideia de raça no movimento ufológico
Não é um tema novo, como podem pensar alguns.

Desde que se verificou a relação do fenômeno OVNI/UFO com tecnologias aéreas guiadas ou teleguiadas, ainda que estas pudessem ser identificadas como tecnologias terrestres, tem sido inevitável a associação desse fenômeno, com a ideia de raças alienígenas em visita ao planeta terra. Isso acontece, também, devido a inexistência de estudos conclusivos sobre o fenômeno.

0 avistamento aéreo de nove Discos Voadores, considerado dos mais sensacionais ocorridos no final da década de 1940, deu origem ao movimento ufológico que se tornou mundial, muito rapidamente. Sua causa, ou suas principais bandeiras de luta, ficaram evidentes, também, muito rapidamente: a) exigir que os governos liberem informações sobre o assunto e b) que haja estudos aprofundados sobre o fenômeno, a fim de responder algumas inquietações acerca de sua natureza.

Uma destas inquietações pode-se dizer que é causada pela ideia de raças extraterrestres. A ideia de que outros tipos de seres inteligentes, nos visitavam naqueles aparelhos, originalmente chamados de discos voadores.  Visitantes supostamente originárias do espaço exterior ao planeta terra. Vale lembrar que tais inquietações surgem após a segunda guerra mundial, em plena discussão sobre raça, inclusive, com a ideia de superioridade racial  sustentando o nazismo alemão. A ideia de superioridade da raça ariana.

Apesar desse contexto racializado, não foi necessário visualizar os corpos que tripulavam aqueles objetos vistos no final da década de 1940, para que houvesse essa expectativa. Mas, o famoso caso do piloto comercial Keneth Arnold dos EUA deu origem à chamada era moderna dos discos voadores e firmou o marco inicial desse movimento. (RUPPELT, 1959)

Mais do que liberar informações, portanto, o movimento ufológico buscava, como busca ainda hoje, respostas acerca da natureza do fenômeno. Quando não se conhece com a profundidade que se gostaria, um determinado fenômeno, o que se pode ter dele, são ideias, suposições e questionamentos. Algumas milhares de ocorrências registradas, sobre as quais se construíra hipóteses que foram investigadas, tiveram explicações com os projetos desenvolvidos desde a década de 1940 nos EUA e outros países. Dentre as mais de 12 mil ocorrências registradas nos EUA, 6% delas conforme avaliação de Josef Allen Hynek ou até 20% dos casos na avaliação de Jacques F. Vallée, continuam a alimentar a hipótese de estarmos a lidar com inteligências extraterrestres.

O conceito de raça foi se formando ao longo da história humana no planeta terra. Estudos indicam que surge, inicialmente, baseado nas diferenças físicas aparentes. Prestou-se e ainda presta a muitos usos e abusos. Nesse novo contexto de exploração do espaço por várias nações da terra, em que a sociedade humana volta a se pensar em relação a outros planetas, seja pela via da astrofísica, astronomia, exobiologia, entre outras áreas das ciências do espaço, o uso do conceito tem sido muito utilizado para falar da probabilidade e da pluralidade de mundos habitados. Pela mesma razão, o movimento ufológico usa a ideia de raça com alguma particularidade, como veremos.

Das ciências naturais às ciências sociais

É interessante lembrar inicialmente a origem etimológica do conceito de raça. Tomamo-lo do italiano “razza”, que por sua vez veio do latim “ratio”, que significa sorte, categoria, espécie. Na história das ciências naturais, o conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais.

O conceito de raças “puras” foi transportado da Botânica e da Zoologia para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre classes sociais (Nobreza e Plebe), sem que houvesse diferenças morfo-biológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes sociais. (MUNANGA 1988).

O antropólogo e sociólogo irlandês Richard Jenkins (1997) considera raça uma forma específica de etnicidade, definida pela dominação sistemática de um grupo étnico por outro, acompanhado pela categorização do grupo dominado como inferior. (…) Pensar raça como uma forma de etnicidade combinada com dominação salienta o processo político da construção das identidades raciais. Qualquer forma de identidade coletiva é construída pelas relações entre a classificação interna do grupo, pelos próprios integrantes, e a categorização externa, por outros(…) (MONSMAN, 2013).

Vamos adotar um entendimento acerca do uso dos termos racismo, racialismo e raça no desenvolvimento dos próximos tópicos. Chamaremos de “racialismo” a crença na existência de raças biológicas e de “racismo” as formas de racialismo que afirmam a superioridade de uma “raça” sobre outra e servem para justificar a dominação.

Representação social e narrativas de contato

Outro termo que precisamos antecipar é “representação”: A relação entre “coisas”, conceitos e signos situados no cerne da produção do sentido na linguagem fazem do processo que liga esses três elementos o que chamamos de “representação”.

Ao buscarmos elementos de representação social nas narrativas de contato com seres extraterrestres, buscamos comparativamente, similaridades e diferenças entre estes elementos (“coisas”, conceitos e signos) e aqueles presentes num dado sistema compartilhado socialmente, nossa cultura, religião, arte, ciência, movimentos sociais, etc. Veremos em relação aos tipos humanos terrestres (a racialização em nossas relações e estudos raciais) e tipos extraterrestres (a racialização nas narrativas de contato), como o pensamento social ao ordenar as diferenças somáticas produz uma leitura e uma disposição hierárquica destes corpos no plano social.

Até que ponto temos a ideia de raças no sentido biológico e até que ponto temos a ideia de raças como construção social também no meio ou no movimento ufológico?

Para Michael Banton, p.ex. as conclusões da genética, (de que não existem raças diferentes na sociedade humana planetária), não farão diferença, as pessoas continuarão a pensar as populações como tipos raciais.

Haveremos de observar que as relações raciais são concretas, fazem parte do cotidiano das pessoas de todas as cores, brancas, pretas, amarelas, vermelhas, etc. Então, a construção destas categorias raciais a partir da forma como valorizamos, como gerenciamos os conflitos e diferenças e como discriminamos, independe da existência de diferenças físicas geneticamente determinadas. Basta parecer diferente e já classificamos e hierarquizamos. Veremos mais adiante, que motivações sustentam esse modo de pensar racializado e levam às construções de categorias diferenciadoras de nossa colorida humanidade.

Referências
Banton.Michael, A IDEIA DE RAÇA – coleção: PERSPECTIVAS DO HOMEM. Edições 70, 1ª ed. (2010)
Debbie Siegelbaum. «Documentos revelam duas décadas de buscas por óvnis nos EUA». BBC News. https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150124_eua_ovni_hb Consultado em 09 de maio de 2020
MONSMAN. KARL. Racialização, Racismo e Mudança: Um ensaio teórico, com exemplos do pós-abolição paulista. Apresentado no XXVII Simpósio Nacional de História da ANPUH, Natal, RN de 22 a 26 de julho de 2013
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra, 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
RUPPELT, Edward J. Discos voadores: relatório sobre os objetos aéreos não identificados. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1959, p. 92, 100, 164 e 186. (Projeto Blue Book, Sign, Grudge, Blue Book, Relatório Condon,)

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